15.6.10

Perguntas Frequentes (FAQ)

1. Quem era Psicólogo antes da criação da Ordem naturalmente continua a sê-lo depois?

Não. A Ordem dos Psicólogos Portugueses em vez de aplicar o novo regime de atribuição do título e de acesso à profissão aos que se formariam depois da sua criação, resolveu aplicar também aos que já existiam, necessariamente de forma retroactiva, de acordo com o art. 84º da Lei nº 57/2008.
Assim, apenas os aceites como membros efectivos puderam manter o título anteriormente adquirido, de acordo com o artigo 50º da mesma Lei. Por consequência, os títulos foram removidos aos restantes.

2. Mas... não será que todos os que eram Psicólogos foram aceites como membros efectivos?

Não. Apenas foram aceites como membros efectivos os que tiveram oportunidades de emprego, em áreas específicas, durante pelo menos 18 meses, e que o pudessem comprovar. Todos os que não tiveram essas oportunidades foram punidos. Dos mais de 14.500 registados até 15 de Fevereiro de 2010 apenas 47% (6.834) foram aceites e puderam participar nas primeiras eleições (ainda que não o viessem a fazer na sua esmagadora maioria dada a abstenção verificada).
Muitos colegas registaram-se numa das 3 opções disponíveis na página de registo sem sequer se aperceberem das implicações, pois não efectuaram uma análise cuidada da legislação. Destas três opções, as categorias de “membro estagiário” e “reconhecimento profissional” nem sequer constam dos estatutos.

3. Mas... se calhar só não foram aceites os que não comprovaram habilitações adequadas, ou os que têm a nova licenciatura de 3 anos, ou se calhar os que não tinham realizado estágio?

Não. Colegas do mesmo curso (licenciatura pré-Bolonha ou os dois ciclos pós-Bolonha), se comprovaram terem tido trabalho entraram, sem trabalho (em certas áreas) foram rejeitados (ainda que pagassem a mesma jóia de inscrição).
O estágio curricular, com a duração de um ano lectivo, e duplamente supervisionado (no local e na instituição de ensino) não foi tido em conta para nenhum efeito, apenas os estágios profissionais do IEFP.
Contudo, e paradoxalmente, quem o realizou tem direito a um desconto de 6 meses no novo estágio obrigatório da Ordem, pois “apenas” tem de fazer mais 12 meses enquanto que quem não teve o curricular tem de fazer 18 (art. 52º dos estatutos). Não se deve contudo confundir as características, pois em lado algum se prevê que o estágio da ordem seja equivalente ao curricular ou aos profissionais do IEFP, que seja gratuito ou pago pelo estagiário (para não variar, é segredo dos deuses). Seja como for, ficou já o Psicólogo não aceite como efectivo impedido de exercer ou de se candidatar a exercer.
A diferença também não está em quem foi ou não supervisionado, pois o trabalho comprovado pelos aceites como membros efectivos pode ter sido todo ele autónomo. E nas palavras de um distinto professor, “a experiência pode ser pouco mais do que um acumular de erros”.
Quanto às habilitações adequadas, foi prevista uma diferenciação entre os colegas do mesmo curso que o tenham completado antes ou depois de uma data: 31/12/2007. Os que acabaram depois dessa data tinham de pedir à Ordem um novo reconhecimento da sua validade, adicional ao que tinha sido dado pela instituição de ensino no exercício da sua autonomia (art. 2º do Regulamento nº 505/2009).

4. Mas... então o que as instituições tinham conferido à luz da lei anterior não tem validade?

Sim. De facto, quer os títulos atribuídos pelas instituições de ensino superior (sob tutela do Ministério da Ciência, Tecnologia e Ensino Superior), quer as próprias carteiras profissionais de Psicólogo (cujo regulamento data de 1972, atribuídas pela IGT, depois ACT, sob tutela do Ministério do Trabalho e da Solidariedade Social), como elementos-chave da regulamentação da profissão que vigorou durante 40 anos, foram invalidados.

5. Mas... isso é possível à luz da Lei fundamental?

Não. O art. 18º da Constituição da República Portuguesa existe precisamente para evitar que de forma retroactiva sejam restringidos direitos, liberdades e garantias com claro prejuízo dos cidadãos. Caso não existisse ou não fosse aplicado, estaríamos numa sociedade onde nada podia ser levado a sério, pois mais tarde ou mais cedo o adquirido seria retirado ou invalidado. Contudo, a tendência recente tem sido essa, o que é muito preocupante: invalida-se, para que sob pagamento de uma quantia seja de novo recuperado o que já antes se possuía.

6. Mas... então e a Lei de criação da Ordem e que publica os seus Estatutos não foi analisada à luz da Constituição?

Não. O texto de substituição da Comissão de Trabalho e Segurança Social, que unificou os dois projectos de lei existentes, foi alvo de parecer favorável em 2005 por parte da Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias da Assembleia da República, mas nesse texto foi precisamente removido o elemento de exercício profissional, bastando para a inscrição ter «formação académica superior que integre reconhecida formação e prática curricular na área da psicologia», além de não se dar azo a uma qualquer aplicação retroactiva restritiva.
Em 2008, pouco antes de ser publicada, surge um novo texto de substituição onde é reintroduzido o elemento de exercício profissional e se dá azo a uma aplicação retroactiva restritiva. Este novo texto não foi alvo de análise pela Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias.

7. Mas... não haverá na Lei recente, nacional ou europeia, algo que obrigue a esta medida?

Não. Na Lei nacional surgiu em 2008 o Regime das Associações Públicas Profissionais (Lei nº 6/2008), em cujos princípios que orientam os requisitos de inscrição (art. 21º) a verificação das capacidades profissionais pela sujeição a estágio ou a período probatório não é obrigatória; mas mais importante, não prevê que tal imposição de requisitos seja aplicada de forma retroactiva a quem já teve o acesso à profissão no momento da instalação das Associações.
Ao nível Europeu o que existe é simplesmente o certificado Europsy, emitido pela EFPA, uma organização de reúne associações de psicólogos e da qual faz parte o Sindicato Nacional de Psicólogos, pretendendo este certificado permitir um reconhecimento de qualificações em diferentes países europeus e tendo como requisitos 5 anos de formação académica e 1 ano de prática supervisionada, elementos que têm sido proporcionados em simultâneo e de forma integrada, no nosso país, por via dos cursos superiores de Psicologia com estágio curricular. A qualificação proporcionada por estes não é meramente académica, mas também e acima de tudo profissional, e é com esse objectivo que foram estruturados. Por outro lado, a preparação obtida pela maioria dos que são hoje membros efectivos da Ordem é em rigor equivalente à obtida pela maioria dos que foram desqualificados pelos colegas que enformaram esta entidade.

8. Mas... então porque fizeram isto desta forma?

Na ausência de respostas, uma possível explicação pode ser avançada atendendo à definição de «ordens profissionais» proporcionada pela Infopedia: As ordens profissionais têm uma função de restrição do acesso à profissão que desempenham sempre que há um excesso de candidatos ao exercício. Na prática, podem desta forma servir de solução disfarçada para os excessos da formação. Na medida em que a formação tem provado ser um excelente negócio, tendo-se multiplicado os cursos superiores de Psicologia (havendo procura e, sobretudo, poder de compra), e a sociedade Portuguesa não tem lugares para os profissionais que qualifica, a Ordem pode cair na tentação não só de se substituir ao Estado em funções que este não lhe delega (como por exemplo deliberar sobre os requisitos e as restrições ao exercício da profissão em tudo o que vá além do código deontológico) como também de se substituir ao mercado na escolha dos profissionais, impondo obstáculos à sua manutenção na área que apenas são ultrapassados se tiverem poder económico para lhes fazer face. A selecção social aqui implícita torna-se assim um mecanismo possível, a par do facto de serem as ordens entidades potencialmente lucrativas, como já há exemplos. Uma das consequências imperceptíveis é a manutenção de um vasto número de profissionais no desemprego ou em áreas distintas das suas qualificações, agravando-se a insatisfação e a desorganização do tecido social. O uso do trabalho de estagiários tem sido uma preocupação também amplamente debatida nalgumas áreas. Assinale-se, contudo, que é a primeira vez que a criação de uma ordem retira direitos adquiridos, como sejam o título e o acesso à profissão legalmente já atribuídos.

Texto originalmente publicado no blogue da petição a 09/05/2010.
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